Convívios Fraternos

2007/01/08

Referendos

Tenho vivido e seguido mais ou menos de perto o debate que atravessa a Sociedade Portuguesa durante os últimos meses e que culminará (?) no próximo dia 11 de Fevereiro num referendo.
Se eu quiser ser políticamente correcto chamo-lhe o Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (ou IVG para os mais "modernos"). Mas como este não é o local para isso chamar-lhe-ei mesmo Referendo ao Aborto.

E aqui (Referendo ao Aborto) há duas Palavras que, ao longo dos últimos meses me têm suscitado algumas reflexões que gostaria de partilhar neste espaço.

A primeira é "Referendo". A Instituição do Referendo.

Entendam-me ela (como tantas outras invenções) não é intrinsecamente má: o uso que se faz dela é que pode ser ou não.

Ou seja: fazem-se referendos à Constituição Europeia e ao Aborto e a muitas outras coisas.

No caso da União Europeia, como os franceses e os holandeses trocaram as voltas aos politicos resolveu-se parar e esperar... tempos mais propícios.
No caso do Aborto (e escrevo com letra maiúscula por causa da enormidade do que está em jogo - mas já lá chegarei...) há uns anos o pessoal votou contra e como alguns não ficaram contentes volta-se agora à carga.

E será assim até que o resultado seja o que inicialmente se pretendia.


E poderiamos perguntar:
- Se o "sim" ganhar, tal como o "não" ganhou (entenda-se, com menos de 50% dos votos dos portugueses) isso implica que daqui a uns anos podemos voltar a fazer um referendo para abolir isso de vez?
- ou o "jogo" só para quando a equipa de lá ficar em vantagem? Alguém sabe?
- E se o "não" ganhar com mais de 50% dos votos esta questão fica definitivamente arrumada, ou daqui a uns anos voltamos a gastar dinheiro (sim, todos nós...) noutra campanha,... e noutra,... e noutra... até à exaustão?

Parece-me que esta Instituição, afinal de contas, se calhar presta um mau serviço à democracia. Mas esta é outra discussão que nos podia levar igualmente longe.

A segunda palavra é Aborto e nesta altura não resisto a transcrever aqui uma passagem de um livro que estou a ler:

"Na realidade a própria mãe podia desempenhar o papel de eugenista, mergulhando o bebé em vinho, o que, toda a gente sabia, constituía o teste mais seguro para a detecção da epilepsia. No fim de contas, qual era o progenitor espartano digno desse nome que desejava criar um filho que desmaiasse de repente devido a um ataque? Antes a perda prematura que o risco de tal desgraça. Uma fissura junto à estrada, o Apothetae, ou "Recinto dos Despejos", que se adentrava pelas montanhas em direcção à Messénia, proporcionava o cenário ideal para o infanticídio. Aí, onde já não podiam envergonhar a cidade que os alimentara, os fracos e os deformados eram arremessados para as profundezas do abismo e condenados ao esquecimento eterno e tenebroso (...) Para a criança espartana indesejável, não havia esperança de salvação"

e continua...


O livro chama-se "Fogo Persa", foi escrito por um senhor chamado Tom Holland e é um trabalho de investigação notável que é contado em jeito de história de algumas das civilizações que mais marcaram o mundo: a Persa, a Espartana, e a Grega.

O texto que transcrevi refere-se aos Espartanos e a uma prática que tinha lugar há mais de 2.500 anos, levada a cabo por uma das Civilizações mais inflexíveis e opressoras que o Ocidente já conheceu. Está na página 97 embora eu aconselhe o livro todo.

Mas esta passagem em si levou-me a juntar às minhas reflexões sobre o Aborto, algumas mais:
- Se se referenda o Aborto, porque não referendar também a Pena de Morte, ou o Genocídio? - Como seremos vistos pelas futuras gerações, caso isto passe? Deitar-nos-ão o olhar que agora deitamos aos Espartanos, aos Cruzados, aos Inquisidores?
- Não faria mais sentido estar a debater políticas de incentivo à natalidade, de apoio efectivo a crianças vítimas de abuso, a seres humanos que não se podem defender?
- Não faria mais sentido (a bem da Segurança Social e dos Impostos, se não fosse por mais nada...) debater a Vida em vez de debater a Morte?
- Diz-se que o Aborto é uma questão de consciência. no entanto correm rumores de que um médico não pode recusar-se a fazer um aborto - a questão então é: é uma questão de consciência apenas para alguns?

Porque me lembrei de falar nisto agora?

Porque fui pai há pouco tempo e custa-me a crer que alguém que olhe bem fundo nos olhos límpidos de um recém-nascido, possa apoiar uma causa como a que se propõe agora, ou mesmo ficar indiferente.


Nós pecamos de muitas formas: por actos e por omissões.

Esta é uma das alturas em que temos, de facto, a possibilidade de não omitir, de não nos encolhermos
É uma oportunidade de fazer a diferença: e (não tenham dúvidas) fá-la-emos seja qual for a atitude que tomemos
- quer não votemos, e fiquemos quietos a achar que não tem nada a ver connosco e a perguntar que podemos fazer, de mãos a abanar;
- quer votemos, e esclareçamos consciências e levemos mais a votar e levemos a que outras pessoas despertem antes que seja demasiado tarde.

Esta é uma oportunidade que temos de demonstrar que o 4º Dia do nosso Convívio Fraterno é de facto a consequência lógica de um Rosto que nos transformou.