Convívios Fraternos

2007/01/23

Mais Referendos

Volto ao tema dos referendos.

Não sou extremista. Não gosto de extremismos. Pessoalmente considero os extremismos como a arma daqueles que não conseguem transmitir de forma equilibrada os seus pontos de vista.

Da mesma forma, não assumo derrotismos à partida. Nem falsos optimismos.


No que toca à questão da IVG, sei que o "Sim" provavelmente acabará um dia por ganhar: se não for agora, ao 2º referendo, há-de ser ao 3º, ao 5º, ao 10º ou ao centésimo.

É como no Futebol: qualquer equipa (por mais forte que seja) pode um dia perder como outra equipa (por mais fraca que seja). O tempo e a estatística se encarregarão de que assim seja.

Considero que o que há a fazer agora é olhar em frente, para a frente, mais para a frente: o "SIM" ganha... e depois? O que vamos fazer, nós que consideramos essa opção um erro?

Vivendo em democracia, temos que dar provas de maturidade e aceitar esse resultado imposto por uma maioria, quiçá pouco esclarecida, quiça pouco informada, quiçá pouco sensibilizada para o verdadeiro alcance dessa decisão...

A aceitação do resultado não quer no entanto dizer que nos conformemos, haverá que desenvolver formas de continuar a lutar pela abolição de uma lei que é injusta e absurda.

O facto de ponderarmos sequer a hipótese de que ela venha a ser aprovada é sinal de uma Sociedade profundamente doente: uma Sociedade esquizofrénica e demente, que olha com total passividade para o drama do decréscimo populacional e que pondera acerca de uma lei que contribui para que essa situação se agrave; um Estado que atravessa uma crise de Finanças Públicas e de Segurança Social que podem por em causa os seus próprios alicerces e que cria uma lei que dá o poder a um segmento da sua população de poder decidir impunemente acerca da vida de outrém; um País com uma enorme franja do seu território em desertificação que pondera acerca da criação de uma lei que mais não faz do que acentuar esta e outras situações.


O verdadeiro debate deveria ser: o que fazer para que o Interior do país não morra? O que fazer para que no Interior do País não se morra à espera de tratamento médico depois de um acidente? O que fazer para incentivar os jovens a ter filhos? Que leis temos que criar para proteger a família?

Há pois que olhar em frente, mais para a frente: em França, 30 anos depois das primeiras leis pró-aborto, as pessoas pedem, nas ruas, o retrocesso (?) da Lei: escolas vazias e fechadas, envelhecimento da população, crise profunda da Segurança Social - são motivos egoístas os que em última análise motivam esses protestos, mas o que é certo é que eles acontecem.

Li há pouco tempo um Livro que se chama "Os Filhos dos Homens", recentemente adaptado para o cinema, que retrata uma situação num futuro próximo em que uma doença desconhecida retira à Humanidade a capacidade de se reproduzir. É uma história que levanta muitas reflexões, acerca de muita coisa: em última análise aponta um caminho inesperado para a Extinção da Raça Humana - não um cataclismo inesperado, não um Holocausto Atómico, mas da perda da capacidade reprodutora.


Contei ao meu filho mias velho (tem 6 anos) como era a escola no meu tempo, o que fazíamos, como brincávamos... ele apesar dos 40 canais de televisão, da Playstation, do futebol e da natação ouviu-me e disse: "Eh pai! A tua escola era bué da fixe! gostava que a minha fosse assim como a tua, com muitos meninos!"

Mas que fazer?
De repente penso que os Cristãos e todos os que connosco partilham esta convicção de defesa incondicional pela vida, deveriam passar a assinalar o dia em que o Povo referende o Aborto, com manifestações pela vida (seja este 11 de Fevereiro, ou outro "11 de Fevereiro" qualquer): uma grande manifestação pela vida, independente de Raça, Credo, Cor Política. Uma marcha pelas ruas das cidades e vilas. Uma vela à janela de cada lar. Por cada escola que feche, por cada aldeia abandonada e morta, uma vela num local qualquer.

Depois acho que deveríamos criar um sistema de rating: definir boas práticas, criar um "Manual da Vida". As Instituições de Saúde, de Ensino, etc. que o seguissem receberiam pontos. Quanto mais pontos tivessem mais aconselhadas seriam. Afinal de contas, apesar da Lei, também nós devemos poder escolher.

Porque isto está tudo interligado...

Não acredito em radicalismos, nem vou pelas ameaças: Jesus Cristo propôs-se a todos os que O quiseram seguir pelo Amor.

Acredito que continua a fazê-lo hoje em dia com cada um de nós.
Alguns cristãos defendem a excomunhão dos que votem pelo "SIM"; outros que votam "SIM" dizem que tratamos as mulheres como assassinas... e assim seguiremos até ao Dia do Juízo Final.

E, nós, cristãos, enquanto esgrimimos argumentos que mais não fazem do que alimentar o nosso orgulho, perdemos o cerne da questão: "Que faria Jesus Cristo? Votaria? Calaria? Falaria? Condenaria? Ajudaria?"

Diria "Quem nao tem pecados atire a primeira pedra!"?

Exerceria violência, como fez com os Vendilhões do Templo?

Diria "Se tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda (ou de um embrião com dois dias de vida) poderieis mover montanhas"?

No futuro, as gerações olharão para este período e verão uma Sociedade doente, sem valores, que por não acreditar em nada, acredita em tudo, supersticiosa, ingénua, cega, tal como olhamos hoje para a Idade Média, as Cruzadas, as Fogueiras da Inquisição... reconhecemos os erros e achamos incrível como foi possível que isso pudesse acontecer...?

Estes senhores que agora defendem o Aborto deveriam aprender connosco, com os nosso erros, para que não sejam, no futuro, julgados, da mesma forma que agora nos julgam a nós.

2007/01/08

Referendos

Tenho vivido e seguido mais ou menos de perto o debate que atravessa a Sociedade Portuguesa durante os últimos meses e que culminará (?) no próximo dia 11 de Fevereiro num referendo.
Se eu quiser ser políticamente correcto chamo-lhe o Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (ou IVG para os mais "modernos"). Mas como este não é o local para isso chamar-lhe-ei mesmo Referendo ao Aborto.

E aqui (Referendo ao Aborto) há duas Palavras que, ao longo dos últimos meses me têm suscitado algumas reflexões que gostaria de partilhar neste espaço.

A primeira é "Referendo". A Instituição do Referendo.

Entendam-me ela (como tantas outras invenções) não é intrinsecamente má: o uso que se faz dela é que pode ser ou não.

Ou seja: fazem-se referendos à Constituição Europeia e ao Aborto e a muitas outras coisas.

No caso da União Europeia, como os franceses e os holandeses trocaram as voltas aos politicos resolveu-se parar e esperar... tempos mais propícios.
No caso do Aborto (e escrevo com letra maiúscula por causa da enormidade do que está em jogo - mas já lá chegarei...) há uns anos o pessoal votou contra e como alguns não ficaram contentes volta-se agora à carga.

E será assim até que o resultado seja o que inicialmente se pretendia.


E poderiamos perguntar:
- Se o "sim" ganhar, tal como o "não" ganhou (entenda-se, com menos de 50% dos votos dos portugueses) isso implica que daqui a uns anos podemos voltar a fazer um referendo para abolir isso de vez?
- ou o "jogo" só para quando a equipa de lá ficar em vantagem? Alguém sabe?
- E se o "não" ganhar com mais de 50% dos votos esta questão fica definitivamente arrumada, ou daqui a uns anos voltamos a gastar dinheiro (sim, todos nós...) noutra campanha,... e noutra,... e noutra... até à exaustão?

Parece-me que esta Instituição, afinal de contas, se calhar presta um mau serviço à democracia. Mas esta é outra discussão que nos podia levar igualmente longe.

A segunda palavra é Aborto e nesta altura não resisto a transcrever aqui uma passagem de um livro que estou a ler:

"Na realidade a própria mãe podia desempenhar o papel de eugenista, mergulhando o bebé em vinho, o que, toda a gente sabia, constituía o teste mais seguro para a detecção da epilepsia. No fim de contas, qual era o progenitor espartano digno desse nome que desejava criar um filho que desmaiasse de repente devido a um ataque? Antes a perda prematura que o risco de tal desgraça. Uma fissura junto à estrada, o Apothetae, ou "Recinto dos Despejos", que se adentrava pelas montanhas em direcção à Messénia, proporcionava o cenário ideal para o infanticídio. Aí, onde já não podiam envergonhar a cidade que os alimentara, os fracos e os deformados eram arremessados para as profundezas do abismo e condenados ao esquecimento eterno e tenebroso (...) Para a criança espartana indesejável, não havia esperança de salvação"

e continua...


O livro chama-se "Fogo Persa", foi escrito por um senhor chamado Tom Holland e é um trabalho de investigação notável que é contado em jeito de história de algumas das civilizações que mais marcaram o mundo: a Persa, a Espartana, e a Grega.

O texto que transcrevi refere-se aos Espartanos e a uma prática que tinha lugar há mais de 2.500 anos, levada a cabo por uma das Civilizações mais inflexíveis e opressoras que o Ocidente já conheceu. Está na página 97 embora eu aconselhe o livro todo.

Mas esta passagem em si levou-me a juntar às minhas reflexões sobre o Aborto, algumas mais:
- Se se referenda o Aborto, porque não referendar também a Pena de Morte, ou o Genocídio? - Como seremos vistos pelas futuras gerações, caso isto passe? Deitar-nos-ão o olhar que agora deitamos aos Espartanos, aos Cruzados, aos Inquisidores?
- Não faria mais sentido estar a debater políticas de incentivo à natalidade, de apoio efectivo a crianças vítimas de abuso, a seres humanos que não se podem defender?
- Não faria mais sentido (a bem da Segurança Social e dos Impostos, se não fosse por mais nada...) debater a Vida em vez de debater a Morte?
- Diz-se que o Aborto é uma questão de consciência. no entanto correm rumores de que um médico não pode recusar-se a fazer um aborto - a questão então é: é uma questão de consciência apenas para alguns?

Porque me lembrei de falar nisto agora?

Porque fui pai há pouco tempo e custa-me a crer que alguém que olhe bem fundo nos olhos límpidos de um recém-nascido, possa apoiar uma causa como a que se propõe agora, ou mesmo ficar indiferente.


Nós pecamos de muitas formas: por actos e por omissões.

Esta é uma das alturas em que temos, de facto, a possibilidade de não omitir, de não nos encolhermos
É uma oportunidade de fazer a diferença: e (não tenham dúvidas) fá-la-emos seja qual for a atitude que tomemos
- quer não votemos, e fiquemos quietos a achar que não tem nada a ver connosco e a perguntar que podemos fazer, de mãos a abanar;
- quer votemos, e esclareçamos consciências e levemos mais a votar e levemos a que outras pessoas despertem antes que seja demasiado tarde.

Esta é uma oportunidade que temos de demonstrar que o 4º Dia do nosso Convívio Fraterno é de facto a consequência lógica de um Rosto que nos transformou.